quinta-feira, 10 de junho de 2010

O SONHO VIOLENTADO

Em 1934 a mulher brasileira conquista o direito ao voto. Cecília não se encontra entre aquelas que lutaram nas praças públicas por esse direito. Por quê? Porque é outro o seu campo de ação social. Ela está nos jornais e nas escolas. Nesse mesmo ano é chamada para dirigir o Centro Infantil, a ser instalado no Pavilhão Mourisco, em Botafogo. Vê no convite a possibilidade de pôr em prática as idéias sobre o novo modelo de educação que tanto tem defendido na imprensa. Constrói aí a primeira Biblioteca Infantil da cidade do Rio de Janeiro. Correia Dias transforma o porão numa cidade encantada. Ali as crianças podem afinal exercer livremente a sua imaginação em atividades criativas várias: pintura, leitura, música, desenho.

O sonho, porém, como todo sonho, não dura muito. Intrigas políticas levam ao fechamento da biblioteca. Violenta devassa, promovida pela Polícia Política do governo de Getúlio Vargas, destrói inclusive cerâmicas de inspiração marajoara criadas por Correia Dias. A explicação para tal vandalismo: livros, considerados perigosos à educação infantil, entre eles, (pasmem!) As aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain.

Uma ironia, um contra-senso, acontecer isso logo com ela. Apesar de progressista, sempre fora cética demais para aderir a qualquer partido político e bastante espiritualista para deixar-se seduzir pelo marxismo. Coisas da ditadura.




SEUS LIVROS



Espectros, 1919

l Nunca mais... e Poema dos Poemas, 1923

l Baladas para El-Rei, 1925

lCriança, meu amor, 1927

l Viagem, 1939

l Vaga música, 1942

l Mar Absoluto e Outros Poemas,1945

l Retrato natural, 1949

l Amor em Leonoreta, 1951

l Dez noturnos de Holanda & O aeronauta, 1952

l Romanceiro da Inconfidência, 1953

l Pequeno Oratório de Santa Clara, 1955

l Pistóia, Cemitério Militar Brasileiro, 1955

l Canções, 1956

l Romance de Santa Cecília, 1957

l Obra poética, 1958

l Metal Rosicler, 1960

l Poemas escritos na Índia, 1961

l Solombra, 1963

lOu isto ou aquilo, 1964

l Crônica trovada da cidade de Sam Sebastiam, 1965

l Poemas italianos, 1968

l Ou isto ou aquilo & Inéditos, 1969

l Cânticos, 1981

l Oratório de Santa Maria Egipcíaca, 1986 .

Desde 1998 vem sendo desenvolvido projeto de publicação de toda a obra em prosa da poeta, coordenado pelo camonista Leodegário de Azevedo Filho.

Em 2001, em comemoração ao centenário de nascimento, a Editora Nova Fronteia, do Rio de Janeiro, publica Poesia Completa, em dois volumes. Edição organizada por Antonio Carlos Secchin.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Motivo


Eu canto porque o instante existee a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,não sinto gozo nem tormento.Atravesso noites e diasno vento.
Se desmorono ou se edifico,se permaneço ou me desfaço,— não sei, não sei.
Não sei se ficoou passo.Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:— mais nada.

Despedida


Por mim, e por vós, e por mais aquilo que está onde as outras coisas nunca estão, deixo o mar bravo e o céu tranqüilo: quero solidão.

Meu caminho é sem marcos nem paisagens.

E como o conheces? - me perguntarão. - Por não ter palavras, por não ter imagens. Nenhum inimigo e nenhum irmão.

Que procuras? Tudo.Que desejas? - Nada.

Viajo sozinha com o meu coração.

Não ando perdida, mas desencontrada. Levo o meu rumo na minha mão.

A memória voou da minha fronte.

Voou meu amor, minha imaginação...

Talvez eu morra antes do horizonte.

Memória, amor e o resto onde estarão? Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.

(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão! Estandarte triste de uma estranha guerra...)

Quero solidão.


Tenho fases, como a Lua; fases de ser sozinha, fases de ser só sua.

Nem tudo é fácil


É difícil fazer alguém feliz, assim como é fácil fazer triste.

É difícil dizer eu te amo, assim como é fácil não dizer nadaÉ difícil valorizar um amor, assim como é fácil perdê-lo para sempre.

É difícil agradecer pelo dia de hoje, assim como é fácil viver mais um dia.

É difícil enxergar o que a vida traz de bom, assim como é fácil fechar os olhos e atravessar a rua. É difícil se convencer de que se é feliz, assim como é fácil achar que sempre falta algo.

É difícil fazer alguém sorrir, assim como é fácil fazer chorar.

É difícil colocar-se no lugar de alguém, assim como é fácil olhar para o próprio umbigo.

Se você errou, peça desculpas...

É difícil pedir perdão? Mas quem disse que é fácil ser perdoado? Se alguém errou com você, perdoa-o...

É difícil perdoar? Mas quem disse que é fácil se arrepender? Se você sente algo, diga...

É difícil se abrir? Mas quem disse que é fácil encontrar alguém que queira escutar? Se alguém reclama de você, ouça...

É difícil ouvir certas coisas? Mas quem disse que é fácil ouvir você?Se alguém te ama, ame-o...

É difícil entregar-se? Mas quem disse que é fácil ser feliz? Nem tudo é fácil na vida...

Mas, com certeza, nada é impossível Precisamos acreditar, ter fé e lutar para que não apenas sonhemos, Mas também tornemos todos esses desejos, realidade!!!

NÃO: JÁ NÃO FALO DE TI



já não falo de ti, já não sei de saudades.

Feche-se o coração como um livro, cheio de imagens,de palavras adormecidas, em altas prateleiras,até que o pó desfaça o pobre desespero sem força,que um dia, pode ser, parece tão terrível.

A aranha dorme em sua teia, lá fora, entre a roseira e o muro.

Resplandecem os azulejos- e tudo quanto posso ver.

O resto é imaginado, e não coincide, e é temeráriocismar.

Talvez se as pálpebras pudesseminventar outros sonhos, não de vida...Ah! rompem-se na noite ardentes violas,pelo ar e pelo frio subitamente roçadas.

Por onde pascerão, nestes céus invioláveis,nossas perguntas com suas crinas de séculos arrastando-se...Não só de amor a noite transborda mas de terríveis crueldades, loucuras, de homicídios mais verdadeiros.

Os homens de sangue estão nas esquinas resfolegando,e os homens da lei sonolentos movem letrassobre imensos papéis que eles mesmos não entendem... Ah! que rosto amaríamos ver inclinar-se na aérea varanda?Nem os santos podem mais nada.

Talvez os anjos abstratosda álgebra e da geometria.

PERGUNTO-TE ONDE SE ACHA A MINHA VIDA



Pergunto-te onde se acha a minha vida.
Em que dia fui eu. Que hora existiu formada
de uma verdade minha bem possuída

Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada.

E a quem é que pergunto? Em quem penso, iludida
por esperanças hereditárias? E de cada
pergunta minha vai nascendo a sombra imensa
que envolve a posição dos olhos de quem pensa.

Já não sei mais a diferença
de ti, de mim, da coisa perguntada,
do silêncio da coisa irrespondida.

Cecília Meireles